O contrato velado das tribos

Como a única pessoa da América do Sul em um ambiente de trabalho dominado por britânicos, a oportunidade de observar e analisar as complexas dinâmicas sociais, é verdadeiramente curiosa e interessante.
Vivendo aqui há mais ou menos dois anos, estabeleci relações cordiais, participei de conversas significativas, tenho alguns contatos no whatsapp e até fiz amizade. Mas é inegável que existe um limiar, uma espécie de cortina invisível, que é raramente ultrapassada.

Certamente, esse fenômeno vai além das fronteiras do ambiente de trabalho e é um retrato mais amplo de como funcionam as identidades coletivas em diversas culturas. Há uma tendência geral de valorizar o que é familiar e tradicional. Este apreço se manifesta frequentemente em um tipo de solidariedade que, embora possa ser calorosa e inclusiva (até um certo grau), possui contornos bem definidos.

Este limite sutil funciona quase como um ritual de passagem não verbalizado: você pode ser acolhido e integrado até certo ponto, mas há uma barreira invisível, raramente cruzada, mantendo você como “quase parte” do grupo, mas nunca totalmente integrado como “um dos nossos”. É um equilíbrio delicado entre inclusão e exclusão, moldado por normas não expressas que todos no grupo intuitivamente entendem, mas raramente discutem abertamente.

Gosto de explorar este fenômeno. Os princípios por trás dessas dinâmicas têm implicações em diversas áreas, desde a antropologia e psicologia até os estudos de comunicação. O que observo todos os dias é um microcosmo que espelha os desafios mais amplos da sociedade em que vivemos, e oferece um terreno fértil para investigações sobre como as identidades são formadas, mantidas e, por vezes, desafiadas.

Os problemas surgem quando esse acordo não expresso serve como pretexto para excluir indivíduos com base em atributos como etnia, origem, crenças ou orientação sexual. Ao utilizar essas normas implícitas para afastar ou discriminar pessoas, ultrapassa-se um limiar crítico que entra no campo da xenofobia ou outras formas de intolerância.
O instinto de proteger e manter a integridade do grupo pode rapidamente se converter numa postura de “nós versus eles” se não for adequadamente controlado. Em situações extremas, o contrato velado pode evoluir para um sistema formalizado de discriminação que isola e prejudica aqueles considerados “alheios” ou “estranhos” ao grupo.

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A informação e um esforço contínuo devem ocorrer para avaliar essas normas não articuladas, ponderando se elas estão de fato promovendo a coesão ou gerando divisões. Porém compreendo que este isso ocorrerá do dia para a noite. Ainda temos muito para aprender como indivíduos e sociedade.


Até então não senti algo mais sério relacionado a esse tema, algo que possa ter sido considerado xenofobia, mas posso dizer que percebo alguns fragmentos deste contrato que aparecem em forma de ”lealdade”,

Para exemplificar melhor, em algumas situações percebi que a ”lealdade” ao grupo é mantida, mesmo que de maneira inconsciente. Tenho um colega de trabalho que acabou se tornando amigo. Gostamos de conversar, saímos para caminhar, já estive em sua casa, conheci a esposa.
Ele é uma pessoa divertida, me apresentou a cidade assim que cheguei. Mas, interessante ou no mínimo curioso é que quando estamos só nós dois, ou com a família dele, a espontaneidade vem a tona. Risadas, conversas, tudo o que uma amizade promete. Mas se estamos perto de algum colega de trabalho, a postura é completamente diferente. Nossa conversa se torna formal, menos frequentes e percebo um certo cuidado ao olhar dos outros.
Esta situação não é um fato isolado. Outras pessoas, quando estão somente em minha companhia, mudam o comportamento de forma admirável, se tornam mais espontâneos e comunicativos.

Claro que no início me causou estranheza tal comportamento, e hoje já posso afirmar que é algo que já assimilei e entendi bem. Já nós, brasileiros, por nossa “cultura da hospitalidade” e muitas outras razões, nos apressamos em incluir o estrangeiro para que se sinta o mais confortável possível em nossa casa.



Hoje, deixo com vocês com meu texto e espero que vocês apreciem.
Obrigada pela leitura, abraços.

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